A Ponte do Ranha



A Ponte do Ranha sempre foi uma rua muito especial. Os indefectíveis defensores da zona da Fábrica do ferro ou da Rua de baixo, não comungarão desta opinião. Possivelmente a razão lhes assiste porque a especialidade também lhes assentava, embora não tivessem o Canedo como o seu centro. Neste ponto nevrálgico, a rua possuía em doses proporcionais a vanguarda da alcoolemia da vila, o poiso das «Minhas Putas Tristes» e a imensa generosidade das pessoas. Públicas virtudes e públicos defeitos. Tudo fora transparente. Eu pertencia à Ponte do Ranha. A memória mais presente era dos cheiros: o cheiro da mercearia do Canedo contrastava com as «tosses», os monólogos imprecisos e as palavras «peludas» oriundos do tasco; o cheiro do medo dos ruminantes na aproximação ao dia do juízo final; o cheiro do sabão rosa que se banhava nas cristalinas águas do rio. Mas havia ainda um local de romarias juvenis: o «poço da moçarada». Pela Ranha acima, dirigiamo-nos ao poço. Este poço possuía só por si a ideia de algo sem fundo, o que o tornava uma espécie de ambivalência: algo que deveria ser, simultaneamente, evitado, pelo menos no que respeita aos sonoros impedimentos maternais e experimentado, pelo menos no que diz respeito às exigências das hormonas juvenis.

António Daniel

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