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 O Farol https://clipartcraft.com/images/lighthouse-clipart-outline-4.png      O farol é das criações que mais nos atrai. Todos gostamos de um bom farol. Aquele que ilumina, que sonoriza. E quanto mais farol ele é, mais nos atrai. Um bom farol é altaneiro. Um excelente farol é altaneiro e resistente. Mas a inacessibilidade também é importante. Então, estamos perante os faróis, não excelentes, mas místicos. São altaneiros, resistentes e inacessíveis.      Os verdadeiros faróis não se mostram. Podem dizer, mas há faróis que são visitados e são acessíveis. Eu respondo, é um farol com problemas. É um farol que deve estar farto das pessoas. Um farol foi feito para ser visto ao longe e para nos apaziguar com o som, à noite quando estamos a dormir. Todos sabemos que há um farol algures, e sempre em zonas difíceis. Gosto desses faróis, que mantêm a distância, que levam com as ondas mas que se mantêm na sua humana tarefa: servir de guia e beneficiar as pessoas....

Praia do Malhão

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Hoje lembrei-me de uma praia. Estrada fora, cumplicidades partilhadas, gostos desencontrados mas harmoniosa discordância. O toque, a intimidade personificada na pele, o cheiro que encontrava uníssono com as coisas todas. Só dois, mais ninguém, sem mundo, sós. Praia do Malhão /96

1º de maio

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Ainda a propósito do 1º de maio. Dei aulas dois anos em Aljustrel. Ainda me lembro o dia 31 de agosto, domingo, quando me desloquei - imagine-se, sem telemóvel - para o Baixo Alentejo, deparando-me com filas intermináveis de todos aqueles que se despediram do Algarve e se dirigiam para norte. Ainda se atravessava a ponte em Vila Franca, de nome Carmona e marechal de título, até ao Porto Alto e daí até à Marateca para seguir pelo IP1, de fama pouco recomendável. Foram anos bons de partilha, conhecimento, e amizades, além das gambas fritas do Cabeças ou a carne de Porco do Guerreiro. Levanto-me, depois de uma noite um pouco difícil pela incursão à Pandora em Beja e da degustação do pão de Ferreira às tantas da manhã, e deparo-me com tudo fechado, literalmente tudo fechado, nem a Dona Francisca, que me arrendou o poiso, estava por casa. O que tinha acontecido? Descobri que nesse dia, todas as pessoas de Aljustrel se dirigiam à barragem do Roxo para um piquenique coletivo. Foi a prim...

Arcipestre

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Homem inteligente, culto, conservador, por vezes magnânimo. Arcipestre adquirido pelo domínio dos evangelhos e aceite pelas almas, Leite de Araújo sabia para onde vinha. Fazia gáudio do silêncio, que por este se fazia reinar. Mesmo quando falava era em silêncio, exigindo um apuro cada vez maior às orelhas moucas porque os ouvidos só ouvem o que querem. Mas também não havia problema. O som, por inaudível que fosse era pelo menos celeste porque melódico, contrastando com o infindável ruído das concertinas das festividades minhotas. A obediência tem destas coisas. Não necessitamos de ouvir para nos sentirmos culpados. Aliás, quanto mais obedecemos sem razão mais é o sentimento de culpa. Leite de Araújo sabia-o. 

Miguel Monteiro

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Há pessoas que possuem aqueles gestos, atitudes, comportamentos que não enganam. São espontâneas, apesar de sábias; vitalistas, apesar de ponderadas. Imensas foram as tertúlias, imensas foram as minhas interrogações sobre o porquê de me ouvir e o porquê de me ensinar. Aprendi com o Miguel a saber ouvir. Aprendi com o Miguel o prazer de criar. Enquanto uns nos dizem como deve ser, o Miguel era. O seu exemplo preenche uma vida. Vivia as situações, era emotivo por convicção e racional por dever. Quando hoje tenho um problema para resolver, pergunto: como é que o Miguel resolveria a situação? Foi com esta viagem à sua mente que resolvi muitos dos meus problemas. Ainda hoje pensei: como é que o Miguel reagiria à sua morte? Julgo que era a única coisa que não sei responder por que o Miguel era vida, ou melhor, é vida. António Daniel

O Rio do Matadouro

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Assim fora designado o rio que serpenteava as margens da Ponte do Ranha. Ao lado do Matadouro, alheias aos gemidos fúnebres dos animais, as mulheres castigavam as mãos na rudeza da água que, por mais translúcida que fosse , parecia quente. Os sabões, comprados ao quilo na venda do Canedo, ainda com o papel tão característico a servir de invólucro, deslizavam na roupa com suavidade, contrastando com os preparativos da lavagem de mantas, carpetes, tapetes e afins. Sobre aquelas pedras de granito, esfregava-se com veemência, revelando a minhota em todo o seu esplendor. Pujante na atitude, com o verbo malicioso na ponta da língua, apontava o norte através da palavra para atenuar o esforço do manejamento das pesadas peças molhadas. Toda a sua beleza reinava naquele poder surpreendente onde a sonoridade permanente de uma pequena queda de água abafava as vozes mas revelava o corpo. Destas ambiências comungavam os putos. Com um enquadramento maternal próprio da minhota, com marcação...

Sr. Ilídio

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O som ecoava por toda a rua. Marcava a cadência do levantar. Criava uma imagem de Kentucky no canto da boca ao mesmo tempo que a martelada no sapato marcava a sinfonia matinal. Parecia que toda a rua se deixava levar pela musicalidade do momento. Seis da manhã. Outro som se intrometia. Pelo toque do líquido nas latrinas de metal, todos se preparavam para o leite. Ainda hoje oiço o som. Mas era a tosse do Sr. Ilídio que se sobrepunha. Antigo jogador de futebol, como seria fácil de constatar pelo arqueamento das pernas, Ilídio tinha aquele sorriso que motivava uma graça mas também uma ternura de um tipo que sempre relembramos. Depressa inventou uma locomoção para o triciclo que me movia da Travessa da Rua do Maia até ao Assento. Sempre com o seu Kentucky no canto da boca, empurrava-me com um pau bifurcado na ponta que permitia, simultaneamente, o emprego da força adequada à relação peso-potência e à insinuante deslocação pelo paralelepípedo. De regresso à sua oficina, Ilídio ...